quinta-feira, 27 de março de 2008

A solidão, a liberdade...


Em 2 de março desse ano, Martha Medeiros escreveu na Revista O Globo sobre Os quatro fantasmas que assombram o ser humano: a solidão, a liberdade, a morte e a falta de sentido da vida. No dia anterior, recém-chegada da Europa, convidei minhas amigas mais íntimas à minha casa, para ver fotos e dar presentes, e, curiosamente, falamos sobre isso, antecipando o assunto da coluna da Martha.

Junto de minhas amigas, me senti à vontade para fazer um balanço da viagem e compartilhar os sentimentos múltiplos e contraditórios que a marcaram. Foram duas semanas viajando sozinha. Tudo bem que à noite eu sempre estava acompanhada de gente conhecida – Julie, minha anfitriã em Londres; Giselle e Diego, meus amigos brasileiros em Barcelona. Mas durante o dia, essa gente ia trabalhar, cuidar da vida e eu ficava... Sozinha.

Lembro que no primeiro dia da viagem saí pelas ruas de Londres determinada a fazer o "roteiro Bloomsbury", caminhada a pé pelos quarteirões que abrigam as casas de Virginia Woolf, Clive Bell, Lytton Strachey etc. No meio do caminho, vi uma placa indicando a rua onde Charles Dickens morou, onde fica a casa dele. Resolvi me desviar e acabei me perdendo. Já era perto do meio-dia, eu estava com fome, com calor. Decidi mudar meus planos e ir direto ao British Museum, naquela região, para não perder tempo (!) Após caminhar feito louca, pedindo informações aqui e ali, alcancei o museu. Porém, entrei por uma porta lateral e fui cair direto na parte do Egito. A essa altura, estava exausta, mau humorada, faminta, achando tudo ruim, a ponto de chorar. STOOOOOP!

Desci para a área interna do museu, onde fica a lanchonete. Havia uma apresentação de crianças chinesas, em comemoração do Ano Novo chinês. Se eu tivesse um rifle, seria capaz de atirar em cada uma delas!

Tudo mudou, graças a Deus, depois que fiz uma pausa no tempo comprando um suco, desembrulhando meu sanduíche, tomando um café expresso. Comi, respirei, observei o carinho e a cumplicidade de um casal de idosos norte-americanos que lanchavam ao meu lado. Então, me levantei e voltei à exposição, recuperando a minha tranqulidade interna.

Essa foi apenas uma das situações desgastantes da viagem, que teve momentos maravilhosos, claro. Mas, observem: por fora, não havia nada errado. Tudo se passava dentro de mim. Viajando sozinha em um país estranho, eu me defrontava a todo instante com a solidão e a liberdade. O que vou fazer agora? Ir a outro museu? Voltar para casa e ler um livro? Sentar-me em um café e meditar? Andar pelas ruas e olhar as vitrines? Ao escolher uma das opções, necessariamente elimino as outras. A liberdade pode ser angustiante... Em certas horas eu pedia um sinal, algo que me indicasse qual direção seguir!... Mas na maioria das vezes, esse sinal não aparecia e eu tinha que decidir... Sozinha!

Em Londres, isso aconteceu várias vezes. E eu me vi assim também na vida, tateando, procurando o melhor caminho a seguir, tentando acertar... Mas na verdade, nós andamos meio às cegas. Quem sabe, no momento final, vamos nos deparar com o quadro completo e compreender início, meio e fim. Espero que sim, mas nem disso temos garantia.

30 comentários:

Pablo Lima disse...

ja te disse q compus uma canção em cuja segunda estrofe existe o seguinte verso:
"liberdade, solidão, pião, roda, a dor, adorar"

Tânia N. disse...

Adorei o seu texto...nunca tinha pensado nisso sob esse prisma, mas parece ser verdade que a solidão e a liberdade tenham ligações mais íntimas do que suponha a nossa filosofia.
Beijocas e parabéns, adorei mesmo!

Myself disse...

Penso muito sobre isso... muitas vezes temo mesmo a liberdade, mesmo sabendo que ela é maravilhosa!

Beijos!

Buda Verde disse...

nunca passei por isso, até o momento.

Fernanda disse...

nem disso temos garantia...

a unica afirmação que podemos fazer é a incerteza.
Tudo é tão incerto e fazemos parte dessa grande contradição.

Unknown disse...

Sim, pode rolar por conta da solidão. Mas Londres, fia... toda aos contrários é o lugar apropriado para se perder. Fui lá em 82 para nunca mais.

Basquete disse...

Valéria,
eu gosto de pensar que anjos exitem! E acho que anjos são pessoas que vem e fazem o bem pra algumas pessoas. Parece loucura?
Eu quero te agradecer muito pelo seu comentario no meu blog, dizendo do favor que ia tentar fazer pra mim! Obrigado!
A gente vai se falando...
Beijo.

Basquete disse...

Adorei o texto!

lulubeka disse...

Ameiii o texto. Seu blog um luxo!!!!. bjs.....

Marisa Pimenta disse...

Oi Valéria, vim conhecer este blog e amei o texto. Realmente no exterior, mesmo acompanhados tb há o risco de nos perdermos. Já me perdi c um grupo em NY, mas conseguimos achar o metrô e tudo deu certo. Mas a solidão não é questão de estar sozinho, é questão interna. Podemos estar na multidão e...sozinhos! Nós é q buscamos a nossa solidão, concorda? Vi q escreveu livros, me diga quais são , adoro ler. Não vivo sem livros eles são meu oxigênio diário. Bjks

Ylana disse...

Nieztsche defendia a ideia de que temos que nos encontrar no amago de nossa solidao, conhecer nossa ruindade, ouvir nossos instintos mais profundos. A liberdade e a solidao andam juntas, eu diria. Apesar de ser um estado mental acima de tudo, acho difícil alguém ser completamente livre e rodeado de relacionamentos. ....viagem...

Isabel Victor disse...

Adorei ler esta sua crónica de viagem ...


:))


Abraço


iv

Isabel Victor disse...

"Os quatro fantasmas que assombram o ser humano: a solidão, a liberdade, a morte e a falta de sentido da vida"


é isso. o desNorte ! O medo de sair do oikos. A atracção e o medo de se perder na ágora ...


_____________________ iv (de.volta)

Pâmela Stocker disse...

A solidão sempre nos ensina muito sobre nós mesmos!

Esta tua experiência de liberdade total deve ser mesmo angustiante! Não é sempre que vivenciamos algo assim: decidir e seguir sem compartilhar, consultar, ouvir opinião de alguém. Acho que tu conseguiste por alguns dias ser definitivamente tu mesma!

Pâmela disse...

A solidão sempre nos ensina muito sobre nós mesmos!

Esta tua experiência de liberdade total deve ser mesmo angustiante! Não é sempre que vivenciamos algo assim: decidir e seguir sem compartilhar, consultar, ouvir opinião de alguém. Acho que tu conseguiste por alguns dias ser definitivamente tu mesma!

Mônica disse...

Nossa. Adorei este outro blog . Eu não teria coragem de viajar sozinha. mas minha irmã Marilia já morou nos EUA sozinha.
Eu sou medrosa. Poderia até ter liberdade, mas não saberia o que fazer com ela.
Com carinho Monica

Mônica disse...

Valéria
só passei para dizer que estou com saudades de seus textos.
Com carinho Monica

Renato Alt disse...

Incrível como o sentimento foi exatamente o mesmo que experimentei, na mesma situação.
Toda escolha é, também, uma renúncia; e são momentos como esses, que desenrolam-se em, digamos, um cenário menor, que nos permitem enxergar o todo com muito mais clareza.

Parabéns pelo espaço!

Unknown disse...

AADOREI! Bjos flor e boa semana!

Mariana Junqueira disse...

Valéria, descobri vc ao acaso qdo acessei o site- o Fórum das letras de Ouro Preto. Fiquei curiosa em saber sobre vc e o que escreve.
Me identifiquei profundamente com o seu relato "A solidão, a liberdade". Tb sinto isso, especialmente no momento atual de minha vida. Espero que possamos trocar figurinhas literárias e poéticas. Bem vinda!

Mariana Junqueira disse...

Me veio a cabeça agorinha a seguinte reflexão: o que é que eu faço com essa tal liberdade... pensemos! :)

Brunnettee disse...

nossa primeira vez que visito esse blog e adorei o post...me identifiquei já me senti assim ...è uma sensação péssima como se vç estivesse procurando algo de muito bom pra q de uma hora pra outra a sua vida mudasse;sabe ficar andando nas ruas perdidadas já aconteceu comigo e senti a mesma sensação que vç descreveu ai em cima;parabens pelo texto;magnifico.

Brunnettee disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Hiver disse...

Pois é Valéria... Já experimentei sentimentos dúplices em viagens semelhantes a sua. E,a tualmente, em vista da atividade profissional, também experimento sentimentos quase idênticos.
No meu caso, atualmente, viajar é preciso. Viajar é algo que a maioria das pessoas adora e eu também sou fascinado. Mas tem também aquela coisa ( especialmente durante os meses de horário de verão )sobre onde ir, o que fazer depois das horas.
Muitas vezes estou em cidades onde eu tenho apenas contatos profissionais e, depois do horário do trabalho, o que me resta é o quarto do hotel, a TV a cabo, o livro que sempre carrego comigo para essas horas. Mas as perguntas se repetem numa velocidade previsível. Onde ir comer uma comida decente? Se eu quiser me divertir qual o lugar mais legal? Onde vou encontrar gente bonita? Para quem vou contar as piadas que recebo dos amigos quando ele me mandam e-mail? E até para escolher o hotel. No primeiro hotel a tarifa de hospedagem é xis reais. Mas será que no segundo e no terceiro hotel, pelos mesmos xisa reais, as acomodações não seriam melhores.
Pois é bem isso. Eu tenho a liberdade da estrada, mas a solidão dos quartos de hotel de cidades onde sou mais um entre os nativos que não conheço.

DOIDINHA DA SILVA disse...

Este texto me lembrou um livro que lí : "A ESSENCIAL ARTE DE PARAR"....A gente fica meio maluco as vezes quando "para" e os outros "continuam"....Mas é terapêutico....

DOIDINHA DA SILVA disse...

Curiosidade : Já leu muito Charles Dickens ?

Donna Fernanda disse...

Adorei seu blog!

Cadinho RoCo disse...

Vivi situação semelhante quandso em Paris fiquei por bons 10 dias sozinho, sem ninguém conhecido, nada. Era eu e eu mesmo com todo tempo e caminhos ao meu inteiro dispor.
Cadinho RoCo

Anônimo disse...

Pedido

Sei que você era fã da Gerana, do "Leitora Crítica". Eu e Betina Moraes iniciamos uma campanha pra ela retornar. Entre no meu blog e engrosse essa súplica.
Conto com você.

Anônimo disse...

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